O sentimento dum Ocidental
III
Ao gás

Camille Pissarro, The Boulevard Montmartre at Night, 1897. Oil on canvas. National Gallery, London, UK
E saio. A noite pesa, esmaga. Nos
Passeios de lajedo arrastam-se as impuras.
Ó moles hospitais! Sai das embocaduras
Um sopro que arrepia os ombros quase nus.
Cercam-me as lojas, tépidas. Eu penso
Ver círios laterais, ver filas de capelas,
Com santos e fiéis, andores, ramos, velas,
Em uma catedral de um comprimento imenso.
As burguesinhas do Catolicismo
Resvalam pelo chão minado pelos canos;
E lembram-me, ao chorar doente dos pianos,
As freiras que os jejuns matavam de histerismo.
Num cutileiro, de avental, ao torno,
Um forjador maneja um malho, rubramente;
E de uma padaria exala-se, inda quente,
Um cheiro salutar e honesto a pão no forno.
E eu que medito um livro que exacerbe,
Quisera que o real e a análise mo dessem;
Casas de confecções e modas resplandecem;
Pelas vitrines olha um ratoneiro imberbe.
[…]
Mas tudo cansa! Apagam-se nas frentes
Os candelabros, como estrelas, pouco a pouco;
Da solidão regouga um cauteleiro rouco;
Tornam-se mausoléus as armações fulgentes.
"Dó da miséria!... Compaixão de mim!..."
E, nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso,
Pede sempre esmola um homenzinho idoso,
Meu velho professor nas aulas de Latim!
‘’Ao gás’’ descreve uma noite na cidade, e as impurezas que esta contém. Cesário parte da sua observação na construção do poema. Ao gás pelos candeeiros que iluminam a catedral. Aparece no quadro como cor central e tépida, um amarelo.
O eu poético caminha sozinho, num dia em que a noite pesa, esmaga. Observa uma sociedade doente, completamente afectada de impurezas! Descreve a vida das prostitutas, desesperadas, vaguendo pelos passeios e tentando encontrar um mole hospital para se curar. Deambula de seguida para as lojas tépidas, numa catedral dum comprimento imenso. Aborda os moles hospitais, usando apóstrofe, associa as prostitutas aos moles hospitais, da mesma maneira que associa as lojas e o comércio à igreja. Visualiza aquela avenida como uma catedral de um comprimento imenso, iluminada de círios laterais.
Este poema, representa a visão dura e crua do que é a cidade, e o que são alguns dos seres que nela vivem. Sente-se cercado, por um desequilíbrio social (lojas tépidas).
Recorre ao uso da sinestesia transmitindo percepções sensoriais de diferentes sentidos ‘’ Um cheiro salutar e honesto a pão no forno’’. Revela a sua preocupação com a sociedade, mostrando a relação do eu poético com o mundo que o rodeia. Deambula pelas ruas de Lisboa mostrando-nos através de diversas emoções o que realmente nela se passa.
Há um contraste de uma cidade onde se propagam serviços, para uma cidade limpa! Da mesma maneira que surge um contraste de profissões, um forjador e um padeiro.
Acaba por se cansar, cansado da cidade, do cheiro dela, das mulheres, tudo desaparece, o que até ali brilhava, num instante perdeu o seu brilho, escureceu. Acaba por mostrar um problema social, a pobreza. Recorre a adjectivação de modo a destacar as características que naquela noite nitidamente observou ‘’ E, nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso ‘’. Acaba este poema mostrando compaixão pelos mais desfavorecidos, usando o uso de um diminutivo de homem para transmitir afecto relativamente aquele homenzinho ‘’ Pede sempre esmola um homenzinho idoso, Meu velho professor nas aulas de Latim!’’
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