terça-feira, 7 de junho de 2011

O sentimento dum Ocidental

O sentimento dum Ocidental



III


Ao gás


Camille Pissarro, The Boulevard Montmartre at Night, 1897. Oil on canvas. National Gallery, London, UK

E saio. A noite pesa, esmaga. Nos
Passeios de lajedo arrastam-se as impuras.
Ó moles hospitais! Sai das embocaduras
Um sopro que arrepia os ombros quase nus.

Cercam-me as lojas, tépidas. Eu penso
Ver círios laterais, ver filas de capelas,
Com santos e fiéis, andores, ramos, velas,
Em uma catedral de um comprimento imenso.

As burguesinhas do Catolicismo
Resvalam pelo chão minado pelos canos;
E lembram-me, ao chorar doente dos pianos,
As freiras que os jejuns matavam de histerismo.

Num cutileiro, de avental, ao torno,
Um forjador maneja um malho, rubramente;
E de uma padaria exala-se, inda quente,
Um cheiro salutar e honesto a pão no forno.

E eu que medito um livro que exacerbe,
Quisera que o real e a análise mo dessem;
Casas de confecções e modas resplandecem;
Pelas vitrines olha um ratoneiro imberbe.

[…]


Mas tudo cansa! Apagam-se nas frentes
Os candelabros, como estrelas, pouco a pouco;
Da solidão regouga um cauteleiro rouco;
Tornam-se mausoléus as armações fulgentes.

"Dó da miséria!... Compaixão de mim!..."
E, nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso,
Pede sempre esmola um homenzinho idoso,


Meu velho professor nas aulas de Latim!





‘’Ao gás’’ descreve uma noite na cidade, e as impurezas que esta contém. Cesário parte da sua observação na construção do poema. Ao gás pelos candeeiros que iluminam a catedral. Aparece no quadro como cor central e tépida, um amarelo.



O eu poético caminha sozinho, num dia em que a noite pesa, esmaga. Observa uma sociedade doente, completamente afectada de impurezas! Descreve a vida das prostitutas, desesperadas, vaguendo pelos passeios e tentando encontrar um mole hospital para se curar. Deambula de seguida para as lojas tépidas, numa catedral dum comprimento imenso. Aborda os moles hospitais, usando apóstrofe, associa as prostitutas aos moles hospitais, da mesma maneira que associa as lojas e o comércio à igreja. Visualiza aquela avenida como uma catedral de um comprimento imenso, iluminada de círios laterais.



Este poema, representa a visão dura e crua do que é a cidade, e o que são alguns dos seres que nela vivem. Sente-se cercado, por um desequilíbrio social (lojas tépidas).



Recorre ao uso da sinestesia transmitindo percepções sensoriais de diferentes sentidos ‘’ Um cheiro salutar e honesto a pão no forno’’. Revela a sua preocupação com a sociedade, mostrando a relação do eu poético com o mundo que o rodeia. Deambula pelas ruas de Lisboa mostrando-nos através de diversas emoções o que realmente nela se passa.



Há um contraste de uma cidade onde se propagam serviços, para uma cidade limpa! Da mesma maneira que surge um contraste de profissões, um forjador e um padeiro.



Acaba por se cansar, cansado da cidade, do cheiro dela, das mulheres, tudo desaparece, o que até ali brilhava, num instante perdeu o seu brilho, escureceu. Acaba por mostrar um problema social, a pobreza. Recorre a adjectivação de modo a destacar as características que naquela noite nitidamente observou ‘’ E, nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso ‘’. Acaba este poema mostrando compaixão pelos mais desfavorecidos, usando o uso de um diminutivo de homem para transmitir afecto relativamente aquele homenzinho ‘’ Pede sempre esmola um homenzinho idoso, Meu velho professor nas aulas de Latim!’’

domingo, 27 de março de 2011

Eça de Queirós ou a Arte de Ironia.


Os Maias são importantes na Literatura Portuguesa, pois são o retrato do ambiente social e político da época. Então, no que toca a crítica, a associação da história os Maias, é assim, uma ligação a história do próprio país e do próprio Eça.


Ao falarmos de Eça, é importante abordarmos a sua espantosa biografia. Já à nascença, Eça de Queirós é um ''marco'' da sua sociedade pelo facto de ter nascido antes do casamento dos seus pais. Deste modo, o caso foi escondido aos olhos da sociedade. Da mesma maneira, o caso de Maria Eduarda e Carlos da Maia foi também um escândalo abafado.


A história de vida de Eça de Queirós levou-o a que este usasse a sua arma de defesa, a ironia. É de relevar as suas permanentes perguntas de retórica interligadas a ironia, presentes no romance. Eça transpareceu muito da sua história para as personagens da sua obra: O caso entro Pedro da Maia e Maria Monforte, revela os pontos frágeis do autor. Maria Monforte acaba por fugir com Trancedo, desagregando assim o meio familiar, tudo isto acaba por levar ao suicidio de Pedro da Maia.
O meio familiar em que Eça nasceu afectou e influenciou a sua forma de escrita. Toda essa falta de afecto e de sentimento revela-se assim nas suas obras. Desenvolve assim uma maravilhosa arma que irá desencadear o seu sucesso literário, a tão conhecida ironia de Eça de Queirós.



É em Coimbra que Eça desenvolve a sua vocação literária. O facto de este ter estudado em Coimbra, possibilitou-o a ter maior acesso à informação estrangeira. Considerando o ambiente universitário em que este se encontrava, junta-se ao facto de Eça possuir amigos com capacidade intelectuais (de querer revolucionar a cultura portuguesa), formam assim a Geração de 70. Esta geraçaõ de 70 é formada devido a terem acesso a informação estrangeira, e através dessa quererem revolucionar Portugal. Contudo esta informação virá sempre em último e de modo escasso, tal que Eça e os seus acompanhantes criticam a cultura e ensino da Universidade da sua época. Esta crítica leva-os a querer eliminar o autoritarismo através da sua permanente rebelião. '' (...) No meio de tal Universidade, geração como a nossa só podia ter uma atitude - a de permanente rebelião''


Neste período de Coimbra, Eça começa então a ler autores como Shakespeare, Heine, Vitor Hugo, Michelet Gérard de Nerval e Baudelaire. '' (...) o romantismo estava nas nossas almas.'' Daí o romantismo presente nas suas obras.

Eça desde o seu período romântico inicial de Coimbra, foi influenciado pelas leituras da sua época, mas sempre procurou para lá delas um supremo modelo, um modelo clássico.


Surge assim a reacção contra o romantismo debridé após o período de Coimbra, que o leva a procurar outras leituras. Começa a interessar-se pela estreia das suas próprias obras. '' (...) o primeiro de que há conhecimento, publicado em Março de 1866, as Notas Marginais (...)''


''Às vezes, os que reflectem o seu tempo- criam; e é quando não só revelam o carácter de um momento, um estado convencional e passageiro, mas traduzem e explicam toda a alma de um povo.'' Diz Eça referindo-se a João de Barros, uma frase que podia tão bem descrever o próprio Eça.


Eça reflecte o tempo, Eça cria, ao mesmo tempo que revela o seu carácter e as suas vivências. Traduz e explica toda a alma de um povo.


Os Maias são a conjugação de dois géneros literários, o romantismo e o realismo. Quanto ao realismo, Eça procurou uma conformação com a realidade. Por outro lado, o romantismo leva a uma análise das circustâncias que envolvem as personagens.


Em suma, o Realismo leva-nos a captação e análise da realidade em si, representaçaõ do mundo exterior de uma forma fidedigma, análise exacta da vida (do mundo e vícios), marcos da ideologia materialista e do socialismo, o realismo abrange temas de influência como a educação política adultério e jornalismo (é um estilo que tende a usar a personagem-tipo).


Quanto ao romantismo, a uma análise das circunstâncias das personagens, dos problemas, do meio social, de educação e posição económica, há também preocupações socio culturais e relevância à importância das leis da natureza exprimentais. No episódio do Sarau, há uma grande revelação entre romantismo e realismo.


Em Lisboa, Eça de Queirós fundou e dirigiu um jornal: o Orpheu- um jornal de oposição. Assim, nos Maias Eça critica o jornalismo português. Criticando os jornais a ''a corneta do Diabo'' e ''A Tarde''. Há uma crítica ao primeiro, em como o seu director é imoral, a redação é ''um antro de porcaria'', publicação de artigos mediante dinheiro (suborno), publicação de artigos de baixo nível. Quanto ao segundo, o director é um deputado, na história em si o director serve-se de uma carta como meio de vingança contra o inimigo político e só publica artigos dos seus colegas de partidos. Em suma, são episódios marcados pela incompetência e ausência de professionalismo dos jornais da época e, os jornalistas são motivados por interesses económicos e politícos. Fazendo assim, um retrato da sociedade actual.


Em 1888 Eça entraga-se a um complexo projecto de romance-suma, Os Maias, que começou a arquitectar dez anos antes. Os Maias são uma obra rica em conteúdo, conta a história de três gerações em decadência, criticando a sociedade da época mas em particular Lisboa. Ao longo de toda a sua obra está presente a sua grandiosa arma, a ironia.


Os Maias são uma traduçaõ das vivências do Eça, desde a universidade até à forma como a mulher é retratada na obra. Eça deixa transparecer na sua obra alguma dificuldade na aceitação do ideal femenino, daí uma certa misoginia. Nos Maias muitas mulheres mantém relações amorosas apenas em busca do prazer, mesmo sendo casadas. Maria Monforte foge com Trancedo, Raquel Cohen não resiste aos encantos do Ega e o mesmo acontece entre Carlos da Maia e a condessa de Gouvarinho.Todas são caracterizadas como seres fúteis e envoltas num ambiente de insatisfação.


Eça retrata uma certa aversão às mulheres, devido à sua figura maternal.


A aversão às mulheres é característica de Carlos da Maia, encontrando aqui o realismo de Eça. Ao longo deste Romance há uma inútil procura do ideal femenino. Carlos da Maia como Fradique Mendes manifestam o mesmo dramático conflito, pensamento-sentimento relativamente à mulher.

Eça critica a sociedade da época, sendo visivel em episódios da sua obra. No sarau crítica a ausência da família real numa causa de solidariedade. No Hotel central as personagens abordam o atraso intelectual da sociedade, nas corridas de cavalos critíca a falta de originalidade do povo. Critica também a imprensa devido a sua corrupção e futilidade.



Quanto ao romance os Maias, Eça não se preocupa apenas pelo romance em si, mas revolta-se com a situação do país quanto a politicas e ideias filosóficas. Assim, os Maias são histórias da família Maia, atrvés de três gerações: Afonso da Maia (lutas liberais), Pedro da Maia (ultra-romantismo) e Carlos da Maia (realismo). Já tendo em conta o subtítulo da obra ''Episódios da vida romântica'' é dada uma descrição de um certo estilo de vida, o romântico, os costumes da sociedade Lisboeta (aristocracia e alta burguesia), o retrato da época. No entanto nesta obra, um dos focos principais é a história incestuosa de Carlos da Maia e Maria Eduarda- intriga principal. Ainda na intriga principal deparamo-nos com a crónica de costumes (alternância com a intriga principal, desenrolam-se múltiplos episódios da vida Lisboeta em relação ambientes sociais).



Ao perceber a crítica que Eça faz à sociedade daquela época pergunto-me se essa crítica não continua actual. Não estará a nossa sociedade em decadência? Sem vontade de evoluir? Despersonalizada? Apática? Talvez os Maias sejam, afinal, um obra contemporânea.